"Os Universais", Por Euzébio Silveira da Mota

Desembargador Euzébio Silveira da Mota
       Euzébio Silveira da Mota nasceu em 30 de Janeiro de 1847 no Paraná. Era Primo do Grande Álvares de Azevedo. Em 1866 matriculou-se na Faculdade de Direito de S. Paulo, tendo por companheiros de turma a Joaquim Nabuco, Afonso Pena e Rodrigues Alves, Ruy Barbosa e outros ilustres espíritos e formando-se em 1870. Cerca de 1871 foi nomeado Juiz Municipal em Termo da Lapa e em 1874, em Curitiba, Juiz de Direito. Foi também, de 1871 a 1874, Professor de Filosofia e Retórica do Liceu Paranaense. Elegeu-se Deputado Estadual para a Assembléia Legislativa no período de 1874-1875. Em 1866 assume o Curso de Língua Portuguesa no Paternon, colégio de estudos preparatórios de Curitiba. Em 1893, em virtude da Revolução Federalista, é sumariamente exonerado da Magistratura e entra então a exercer a advocacia. Em 1914, instado por Dario Vellozo, colaborou nas revistas Pátria, Lar, Myrthos e Acácia. E 1917 foi feito Desembargador em virtude da Lei que determinava que parte dos quadros do Superior Tribunal se preenchesse pela nomeação de advogados de grande saber. Seu passamento deu-se em 22 de Novembro de 1920. Embora nada ou muito pouco tendo redigido, Euzébio Silveira Mota foi uma das mais poderosas celebrações filosóficas de que se pode orgulhar o Brasil.




"OS UNIVERSAIS"


Extraído do livro "O Símbolo à sombra das Araucárias", de Andrade Muricy

      Por “universais” se entende, na terminologia (nomenclatura) filosófica, as idéias que a mente humana forma abstraindo aos caracteres distintivos dos indivíduos (lat.: notas individuantes) e concebendo o que há de comum entre eles e dos mesmos se pode dizer em sentido unívoco (próprio), (universalia in essendo et predicando, vg.: animal, homo.)


      Considerando-se o universal com respeito às coisas em que a idéia universal abstrata e presente se verifica ou pode verificar-se, forma-se o universal metafísico, se porém antes se considera a forma da universalidade, i.é, a imagem lógica que representa o universal, intencionalmente tem-se então o universal lógico.

       A ciência tem por objeto o universal e trata ao particular só enquanto incluído naquele; por isso a questão da realidade objetiva da idéia universal é da mesma importância que a do valor objetivo da ciência e por conseguinte no fundo é essa questão tão antiga como a Filosofia. Sua origem foi o problema de lógica teorética, indagando em que consiste a matéria e fundamento da ciência. O que a Filosofia nunca pôs em dúvida é que, no campo dos conhecimentos, a opinião se distingue da ciência, e sempre como diferença característica opõem-se a certeza da ciência à incerteza da opinião. Esta diferença tem como princípio a firmeza 'diversa com que a mente exprime o seu conceito subjetivo. Há porém um critério objetivo fundamental que delimita a priori o , do opinar.

        Como objeto da ciência considera-se, com efeito, o que é real e objetivo, i. é, o ser real em oposição ao objeto que se imagina e concebe, i. é, o fenômeno subjetivo. Daí se segue, como simples conseqüência lógica, a teoria que diz ser unicamente objeto da ciência, o universal (universale).

       A primeira e próxima conclusão ligada à generalidade do objeto da ciência foi que, afinal, todos os homens em comum devem conhecer a verdade, igualmente. Pois do fato de existirem entes reais independentes do nosso pensar deve-se concluir que a verdadeira ciência só pode ser uma para todos. A isso junta-se mais outra e importante significação dos universais. Necessariamente, com efeito, é também propriedade do objeto da ciência a continuação e invariabilidade, i. é, que o mesmo em todo tempo permaneça verdadeiro (conforme à verdade.)

     Com isso ficou excluído do domínio da ciência, propriamente dita, tudo que não se relaciona com o ser subsistente e que pertence ao incessante estado de transição em que se acham os seres mutáveis; pois na transformação em cada instante que passa aniquila-se o que era para dar lugar ao que vem a ser e nesse instante indivisível não se pode nomear o ser e portanto, então, não se diz que existe alguma cousa. De outro lado vimos que o objeto da ciência é o ser, e para considerar o que subsiste e não muda dever-se-ia excluir do estudo tudo o que se transforma. O impulso necessário a este modo de entender a universalidade do objeto da ciência deu-o a doutrina de Heraclito sobre o curso visível das coisas em transformação contínua. Platão, em quem esta doutrina muito influiu caracterizou-a perfeitamente nestes termos: “Não é expressão errônea dizer-se que tudo se transforma em lugar de dizer-se que é realmente; isto, é que não dizemos com razão, pois em momento algum o ser é propriamente o que dizemos antes tudo continuamente torna-se o que não era”.

       A diferença entre ser e parecer de um lado e ser e tornar-se de outro em breve obrigou a distinguir no homem duas faculdades cognoscitivas, a saber uma intelectiva e outra sensitiva.

       Na percepção sensível tinha na verdade Heraclito fundado sua afirmação de que as coisas se acham em incessante processo de transformação. Conseqüentemente não se poderia adquirir ciência por meio de percepção e esta conclusão se impunha com dupla necessidade pelo fato notório que ela não bastava para fornecer a todos os homens o mesmo conhecimento, e sem isso não há ciência verdadeira.

       Consta da experiência que a diversos observadores e até ao mesmo indivíduo o mesmo fato (objeto) é muito diversamente apreciado conforme as condições subjetivas; por exemplo: o mesmo mel a um homem são, sabe naturalmente doce e, a um doente, amargo; assim sendo todos se capacitam de que a sensação no seu objeto é meramente aparente e varia com o sujeito e não fornece dados à ciência que trata do que é verdadeiro e subsistente.

      Portanto para não se renunciar à possibilidade da ciência foi necessário reconhecer no homem uma segunda faculdade, inteiramente diversa da percepção cujo conhecimento é constituído pelo verdadeiro e real, isto é, o universal. A esta faculdade deu-se o nome de razão (Logos). A sensação ficou sendo relativamente ao particular e aos fenômenos dos seres o que a razão vinha a ser com respeito ao universal e estável. Desse modo contentaram-se os filósofos a princípio a guiar-se, na conquista da ciência, por essas duas faculdades sem provar a correção das mesmas por uma reflexão crítica.

       Essa prova tornou-se porém de necessidade quando os sofistas, sem negar a distinção entre ambas, sustentaram que a razão sede da ciência universal, a única válida, não proporcionava à humanidade a possibilidade de tal ciência; desse modo ficaria e conhecimento humano em absoluto reduzido à percepção sensitiva e ao subjetivismo.

     Sócrates foi o primeiro que entrou em campo contra essa teoria. É um fato – e ele o apresentou contra os sofistas – que os homens possuem conhecimentos que para todos e em todos os tempos são verdadeiros. Esses conhecimentos comuns são as idéias que pela via de indução e abstração haurimos da experiência, logo além da percepção sensitiva existe em nós uma faculdade que percebe as essências suprasensíveis e à qual se chama a razão.

        Sócrates foi o primeiro que entendeu o universal e estabeleceu que ele é constituído pela idéia. Francamente isso ainda era muito vago e a questão da relação entre a idéia e o ser ficava ainda sem solução. Não se poderia sustentar a identidade de ambos, pois ao passo que a idéia é uma imagem subjetiva contida na mente cogitante, o ser está fora da mesma como objeto real. Não é pois evidente a proporção exata do conhecimento expresso na idéia para com a realidade ontológica. Platão compreendeu a significação deste problema e sua importância, e resolveu-o deste modo: as idéias são adequadamente a representação Ideal do ser real. Porém como as idéias são comuns e uma mesma idéia pode se aplicar univocamente a várias coisas percebidas pelos sentidos, segue-se que o ser é, em verdade, independente de nós, universal e a esse ser universal considerado como um e extrínseco a muitos outros denominou ele “idéia”.

    As coisas percebidas como particulares concebeu ele como sinônimas, enquanto participavam das idéias (tipos) delas separadas. Assim os indivíduos se dizem, por exemplo, homens pelo fato de participarem da idéia “homem” em si subsistente, suprasensível, única e sempre igual (invariável). Deste modo Platão colocou os universais entre os seres existentes (ou realidades) e portanto a sua doutrina denomina-se “realismo” e precisamente como extremo realismo (exagerado) pois segundo ele a idéia universal existe independente de outrem. Igualmente esta idéia que precede a sensação das coisas, e delas completamente se acha separada, se pode nominar o universal antes 'das coisas (universal ante rem).

       O grande discípulo de Platão, Aristóteles, conquanto grande admirador do mestre era entretanto dele independente nos seus juízos. Concordou ele com Platão em que os seres reais constituíam o objeto da ciência que aliás devia ser do universal; também conveio em que não pela percepção orgânica mas pela razão imaterial se adquire o saber, visto como aquela atinge só o particular e transitório e esta o universal e permanente. Apesar disso ele combateu a doutrina das idéias de Platão, decididamente e repetidas vezes. Impugnou ao mestre duplamente: primeiro porque este distinguia a essência específica do ente e a sua individualidade e depois porque Platão admitia a existência dos universais em si (como realidades). Deste modo Aristóteles rejeitou a explicação 'dada pelo realismo extremo, às idéias universais.

       Não obstante a teoria de Aristóteles também se reduz a um realismo (moderado). Ele ensina que o objeto da ciência é o universal realmente existente na natureza específica, que é a mesma em todos os indivíduos de uma espécie, não que todos os indivíduos tivessem uma única essência, mas que a essência ou natureza comum existia multiplicada em todos e em todos era intrinsecamente igual, e existindo somente como essência individual, não por si era indivídua, mas por outro princípio, a matéria, ficava sendo individual. Por conseguinte o universal de Aristóteles vem a ser um universal nas coisas (universal in re). Existindo nas coisas como essência individual, este universal como tal (formalmente) acha-se na mente. Como tal constitue ele a idéia.

      Por idéia entende pois Aristóteles a representação imaterial ideal da essência real das coisas da mesma espécie, representação obtida por abstração do princípio material de individuação. Assim se exprime ele: “O princípio da ciência é o universal existente na alma, o qual é um em muitas coisas e nas mesmas se encontra de modo Idêntico”, e “eu entendo por universal o que se pode dizer de diversas coisas, e por particular (singular) o que a isso não se presta.” vg. “homem” é um termo universal e “Kallias” particular. Esta maneira de entender o universal chama-se o Realismo moderado.

     Outra orientação inteiramente diversa na questão dos universais foi trilhada pelos filósofos gregos e traz o nome de “Nominalismo”.

      O cínico Antístenes, discípulo de Sócrates sob a influência do sofista Górgias com quem antes estudara, chegou a uma modificação parcial da explicação dada por Sócrates às idéias. Todas as coisas afirmou ele são Individuais, logo qualquer coisa é inteiramente diversa de outra e de ambas não é possível afirmar validamente um conceito comum e em conseqüência a idéia comum (ou universal) não é de modo algum real, mas uma pura abstração da inteligência que compara as coisas e só tem existência o universal como nome (vocábulo). Neste sentido o universal seria posterior às coisas (universal post rem). Desta significação dada à idéia universal pelos nominalistas patrocinavam todas as antigas escolas filosóficas, que fundavam sua crítica investigação no Sensualismo ou subjetivismo.

      Pelo exposto vê-se que já na antigüidade as principais opiniões sobre os universais tinham propugnadores. Um desenvolvimento que penetrou mais nos pormenores da questão começou com a filosofia escolástica na idade média. O ponto de partida das divergências dessa época, diz P. Cousuí, foi um trecho da “Isogoge” de Porfírío (introdução) que assim reza: “Eu não quero decidir se os Gêneros e espécies subsistem por si ou se consistem em meros conceitos intelectuais simples, se eles têm uma entidade material ou imaterial, se estão fora ou incluídos nas coisas visíveis; isso é um problema dificílimo que requer uma investigação detalhada.

    Porfírio defendeu decididamente o realismo extremo. Boëtio e Copella opinaram, o primeiro com os realistas moderados, o segundo com os nominalistas. O primeiro escolástico avulso foi Scoto Erigena. Influído pelos escritos dos neoplatônicos arquitetou ele uma teoria da Criação segundo a Bíblia mas segundo um sistema idealístico de emanação e com isso necessariamente inclinou-se para o extremo realismo. Para ele o universal é o que há de mais real, com a particularização do mesmo gradativamente perdeu o ente parte de sua realidade até que, no indivíduo, tudo é só aparente. Assim com ele iniciou a escolástica o realismo exagerado.

       Simultaneamente, porém, a doutrina aristotélica foi sustentada por Rabano Mauro e seus discípulos. Heiric de Auxerre pendeu para o nominalismo enquanto que seu discípulo Remígio ficou fiel ao sistema aristotélico.

     Pertence também ao 9º século uma brochura em que claramente se expõe o nominalismo. Nela se ensina que Aristóteles nos cinco predicáveis (predicabilia) não podia entender cinco coisas mas cinco “vozes” pois não aquelas mas estas se pode predicar; - as vozes não são mais que articulações da língua modificando o som (aeris plectro línguas percussio). Um nominalismo acentuado tentou Roscellin fundar na segunda metade do século XI, e por isso ele foi tido correntemente na Idade Média como pai da opinião nominalista. Segundo S. Anselmo, ele ensinou que os universais nada mais são que expressões vocais (flaten vocis) e por isso não existem espécies mas tudo que é real é individual.

      Com essas teorias Roscellin também errou na explicação da S.S. Trindade e teve que retratar o seu Triteismo no concílio de Soissons (1092). O insucesso de Roscellin foi a causa da queda temporária do nominalismo nos séculos seguintes. As disputas dirigiram-se antes sobre o aperfeiçoamento do Realismo.

     Um realismo extremo ensinou de novo Guilherme de Champeaux aliás discípulo de Roscellin. Segundo as informações não sempre fiéis de Abelardo, Guilherme de Champeaux afirmara a princípio (candem essentia liter rem totam simul singulis suis inesso individuis); após isso porém forçado pelas objeções do próprio Abelardo modificou sua tese dizendo afinal que a essência se multiplica nos indivíduos porém fica indiferente a respeito dos mesmos (i. é: Non est cadem utrinsque humanitas sede similis cum sit duo homines). S. Anselmo contemporâneo de Guilherme não ligou importância especial à questão, aceitando todavia o realismo aristotélico. Abelardo tratou mais de outras questões; entretanto evitou os dois extremos de Roscellin e Guilherme e entrou por um novo método médio que tem o nome de “Conceitualismo”. Diz ele que os universais não são simples vozes mas em conceitos (sermones) que são externados como atribuíveis às coisas reais objetivamente e comuns.

       Mais claro que por Abelardo acha-se exposto por um díscípulo do mesmo que no livro “De intellectibus” fundamenta o Conceitualismo. Dele consta ser o universal uma idéia em que pensamos a esmo na natureza idêntica das coisas, embora elas existam sós e tenham naturezas diversas; - não é por isso errôneo dizer que as coisas não existem como a idéia as representa; a diferença se restringe ao modo nosso de entender diverso do modo que elas subsistem. Outro livro da mesma época “De generibus et speeiebus” propõe um sistema denominado o “coletivismo”, que se resume no seguinte: “Eu entendo por espécie não a essência que em Sócrates e noutros indivíduos é comum, mas toda a coleção que resulta da união do individuo com essa natureza; esta coleção, inda que essencialmente múltipla, é pelos doutos entendida como uma espécie, um universal, uma natureza, como também o povo inda que composto de indivíduos diversos se diz um povo.

      Enquanto que deste modo se abria uma brecha no edifício 'do realismo, outros como Bernardo de Chartres e o irmão dele Thierry, influídos pelos escritos de Platão 'de novo se aproximaram do realismo exagerado; Conches e Bath do realismo moderado. 

     G. Porretano distinguia nos seres id quod est ou o subsistente e id quo est i. é a subsistência. Só o que é indivíduo e concreto é subsistente; nestes porém há subsistências indívíduas, específicas e genéricas.

        As subsistências específicas e genéricas são a reprodução dos originais no intelecto divino e formam o fundamento da idéia universal. A inteligência conhece essas idéias universais subsistentes, atendendo unicamente àquilo que fez conforme as substâncias individuais e coliga esta conformidade.

       Alanus ab Insulis e João de Salisbury concordaram na questão com G. Porretano, João de Salisbury deu um impulso importante ao problema, no seu livro “Metalogicus” que escreveu como Apologia da Lógica (crítica filosófica), fazendo a resenha de todas as orientações sobre a mesma questão.

     Amalrico de Chartres e os Amalricanos entregaram-se a um realismo excessivo no sentido de Scoto Erigena, e ensinavam a identidade do Criador das Criaturas, preparando assim o terreno ao panteísmo de David de Dinan.

     Com a introdução, no ocidente, por meio dos filósofos árabes e judeus, das obras completas de Aristóteles, começou um novo período da Escolástica. O primeiro que pôs em proveito as ditas obras foi Alexandre de Ales. Ele e os primeiros mestres da Escolástica, Alberto Magno e S. Tomás admitiram os universais entes das coisas enquanto que são meras idéias exemplares na mente divina, a cuja imagem as criaturas foram feitas. Rejeitaram pois os universais no sentido platônico como realidades preexistentes, e procuraram-se onde eles se acham i. é nas coisas atuais, sendo assim também os universais de certo modo post rem pois tinham origem na abstração da individualidade das coisas já existentes. S. Tomás não se afastou da forma aristotélica de interpretar os universais in te, explicando como acima os universais ante et post rem, Em verdade o universal in re é justamente a essência específica . Esta é, segundo S. Tomás, tantas vezes multiplicada quantas são os indivíduos de uma mesma espécie. Não entende ele porém como Guilherme de Champeaux esta essência assim reproduzida como se havendo indiferentemente para com os indivíduos. Ele entende ao contrário a posição dessas essências nos indivíduos vários, como formalmente diversa de sorte que a essência constitutiva de um certo indivíduo formalmente (em si considerada) não pode ser a mesma de outro inda que da mesma espécie. Ele francamente dá como o princípio de individuação a matéria limitada por certa dimensão (matéria signata quantitate); porém também a essência especifica numérica é em cada indivíduo diferente devido a uma intrínseca e transcendental proporção dessa matéria para sua forma, e assim cada uma das essências numéricas e reais se distingue das demais da mesma espécie. Sendo porém o fundamento dessas distinções numéricas das essências, não da essência mesma procede, mas da matéria, assim essa diferença ou distinção não torna as essências formalmente mas apenas material ou numérico-individualmente distintas.

        Apreendendo a razão em si as essências das coisas, sem o fazer à matéria individuante, não pode por isso distinguir as essências numéricas ou multiplicadas nos indivíduos e adquire assim uma essência ideal (ou idéia) que se refere a todos os indivíduos da mesma espécie indiferentemente sem atender-se às condições (notas) individuais. A filosofia escolástica chama essa essência real e individual “o universal fundamental”, isto é um ser que por si não é universal, mas é de tal natureza que a inteligência; prescindindo das determinações que aliás não lhe são próprias a esse ser, forma uma idéia que é verdadeira para todos os indivíduos da mesma natureza. Além disso é preciso ainda distinguir na ordem do conhecimento o universal material do formal. O primeiro é a simples e direta intuição do universal segundo o seu conteúdo, sem ao mesmo tempo constar à mente a universalidade do mesmo. O segundo pelo contrário existe na mente quando expressamente é conhecida por reflexão a relação da universalidade de uma idéia vg.: por comparação das naturezas de Sócrates, Platão etc. se conhece que eles são homens. Como universal material seja o juízo simples: “o homem é um animal racional”.

      Duns Scotus trouxe à existência uma nova teoria de realismo extremo. Ele opina que toda ciência se reduziria à Lógica se ao universal não correspondesse uma essência real e universal. Para ser coerente ele admitiu que entre a essência e o princípio de individuação de uma coisa não há uma simples distinção virtual mas uma distinção formal; as coisas individuais contém duas formas. Ao contrário de S. Tomás diz ele que as essências reais não são, diferentes mas indiferentes como pensava Guilherme de Champeaux , Henrique de Genebra deu uma explicação importante às idéias divinas enquanto universais ante rem. Segundo ele Deus não tem idéias dos diversos indivíduos como quiseram A. Magno, e S. Tomás, mas só das espécies, explicação que tem mais cabimento e é mais evidente que a de Alberto e S. Tomás.

     Com a decadência da filosofia escolástica e o interesse crescente às ciências naturais e investigações matemáticas, perderam os problemas metafísicos o seu atrativo e o Realismo caiu também da posição dominante na Filosofia. Com isso alçou-se de novo o Nominalismo. O franciscano Pedro Aureolo afirmou expressamente que o universal vg: a razão humana é um puro conceito sem nenhuma existência atual. Este conceitualismo ainda foi mais acentuadamente pregado por Durando (dominicano). O Realismo se fundava em suas diversas formas na distinção entre a essência e o princípio de individuação. Durando rejeita essa distinção por completo: “Nil est principium individuationis nisi quod est principium naturae et quidditatis” disse ele. Com isso queria dizer que a essência era indivídua pela própria existência. Logo o universal origina-se em nós e por nós, ao considerarmos as coisas sem as particularidades; daí não é o universal o primeiro objeto da inteligência mas nasce depois da operação intelectual. Nesta 'doutrina se descobre uma certa materialização da percepção intelectual.

     O verdadeiro fundador do Nominalismo foi Guilherme de Occam. Ele concorda com Durando em que: “equaelibert res eo ipso quod est, est haec res” - (tudo que é real é pela sua existência própria, individual). Por conseqüência Occam não podia atribuir ao universal nenhuma realidade, pois achava contraditório que uma coisa de um modo qualquer fosse universal e ao mesmo tempo individual visto que só este existe; via pois no realismo uma hipótese de dois conceitos contraditórios e uma infração do axioma: “Entia non sunt multiplicand sin necessitates , Nem a própria idéia queria ele que fosse universal sem restrições; pois ainda esta é um ser indivíduo na mente; só com relação objetiva aos indivíduos aos quais a idéia indiferentemente se aplica se pode dizer universal. Portanto o universal é pois um “conceptus mentes significans univoce plura singularia”. Fora do sujeito pensante ele não é mais que um vocábulo, que se diz universal porque pode ser usado para exprimir várias coisas. Esta doutrina se ligava a um empirismo categórico, pois Occam afirmava que toda a verdade que não procede diretamente da experiência não pode ser demonstrada.

      Os nominalistas e “últimos escolásticos” expuseram as doutrinas de Occam, sem nada mais acrescentar; entre eles, Gabriel Biel. Entretanto enquanto assim se consolidava o nominalismo, pôs-se a universidade de Paris à frente do Realismo aristotélico-escolástico. Por vários decretos ficou por ela proibido o ensino da teoria de Occam, Em 1473 foram todos os lentes da universidade obrigados, por juramento, a adotar o realismo; todavia em 1481 foi de novo o nominalismo francamente permitido. João Capreolus e a escola Dominicana combateram com todo o vigor pelo realismo, e bem assim o fizeram Ferrara, o Cardeal Caetano e Tomás de Strasburgo. Com a história moderna iniciou-se também, na filosofia, uma escola inteiramente divergente, que se caracterizou pela oposição decidida à escolástica e com um interesse tal pelas ciências naturais que fez descurar inteiramente o estudo da Metafísica. Nem assim foi a série de desenvolvimentos da filosofia interrompida; a escolástica antes ensinada deu os germes para uma nova filosofia e em breve recomeçou a discussão dos universais. Estes não foram enterrados junto com a escolástica mas reentraram em moda na nova filosofia nas normas do nominalismo de Occam . Claros vestígios deste se vêem em Descartes e igualmente na modificação da maneira de referir-se a substância aos acidentes. Um passo decisivo do nominalismo dos modernos deu-se com o empirismo que Baco de Verulano e Locke inauguraram; a isso deu ensejo a idéia da consciência que Cartezio-Descartes introduziu, afirmando que a alma pensa continuamente. Segundo os empiristas nós temos consciência ou percebemos sensualmente tudo o que, no objeto, direta e imediatamente nos está presente; não é porém uma apreciação ou imagem do objeto; sob o nome de “apercebido” (bewuszt) entendem os objetos que os escolásticos atribuem aos sentidos externos e internos principalmente o sentido comum e a fantasia. Assim ligam os empiristas a teoria de que as idéias que (pelos sentidos) percebemos são o mesmo que as representações mentais.

       Daí segue-se necessariamente que o empirismo rejeita a universalidade que ainda Occam tinha concedido. Berkeley diz que o pensar-se em idéias abstratas é um contrasenso; pois é impossível, por exemplo, representar-se um triângulo, que não tenha um certo tamanho e forma e um homem sem côr ou tamanho. Hume reputou este enunciado como uma das maiores descobertas da filosofia e o compartilhou completamente. Não tão francamente negaram Hume e Berkeley o caráter de universalidade como o de abstração. Eles o punham porém inteiramente na expressão vocal que pela sua indeterminação é inteiramente apropriada para a um tempo suprir muitas representações ou idéias. Neste sentido escreve Berkeley que “uma idéia que por si só representa um objeto único torna-se universal, por ser empregada para todas as outras representações particulares da mesma natureza”. Hume procurou desenvolver esta teoria pela sua da associação de idéias e da apercepção. Toda idéia está ligada às outras semelhantes e as pode tornar atuais, portanto, para a apercepção , Se se tenta com qualquer dessas idéias semelhantes enunciar qualquer coisa em que ela combinaria com outras mas de fato não combina, aparece assim pelo efeito da associação em nossa apercepção (consciência) aquela imagem que contradiz à idéia ou objeto que tentamos enunciar. Além disso mostra Hume que nossa atenção é capaz de isolar para melhor considerar as coisas, as particularidades por si não representáveis e de certo modo (quase) abstraí-las de todo. Outros modernos como A. Marty de Praga admitem em contrário as idéias abstratas.

      A questão tão importante da Idade Média ainda hoje não decaiu. Ela marca um dos pontos de discrepância essencial entre o empirismo e o intelectualismo. Em primeiro lugar trata-se de saber se temos só idéias concretas ou também abstratas. Depois vem a pergunta: Que corresponde na natureza aos nossos conceitos abstratos? São as espécies meros produtos de nossa compreensão subjetiva de diversas coisas ou é a relação específica um ente objetivo não por nós causado mas tão somente considerado como ontológico?

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